Trólebus & Veículos Elétricos Brasileiros:
Artigos & Entrevistas - Artigo Adamo Bazani / Marco Brandemarte / Thiago Silva 05-12-2023
(Instagram @marcospaulossantos1)
Desde que o Prefeito Ricardo Nunes lançou o audacioso projeto de iniciar a “eletrificação” da frota pública de ônibus da capital paulistana em fevereiro deste ano, conforme noticiou o Diário do Transporte (https://diariodotransporte.com.br/2023/02/25/em-primeira-mao-empresas-de-onibus-da-cidade-de-sao-paulo-encomendaram-2152-coletivos-eletricos-diz-sptrans/), prometendo ainda em 2023 cerca de 1400 novos ônibus elétricos a bateria, os debates se intensificaram, em relação se esta seria a melhor tecnologia a ser adotada na cidade, aposentando-se para isso os trólebus e “jogando fora” milhões de reais de dinheiro público investidos neste modal até o momento.
Além da “aposentadoria” dos trólebus existe também a questão da infraestrutura para se carregar as baterias dos ônibus elétricos, atualmente insuficiente para atender sequer os mais de 2000 ônibus prometidos inicialmente para o sistema. Seria necessário um investimento bilionário caso a frota paulistana fosse totalmente movida a bateria.
Neste contexto encaixa-se o “e-Trol”, um ônibus elétrico que utiliza as tecnologias trólebus e bateria, ou seja, o veículo pode circular em trechos com fiação e ainda carregar as baterias, e parte do percurso pode circular desconectado da rede, barateando o sistema como um todo, com menos rede de fios e sem necessidade de carregadores portáteis.
Recentemente o assunto voltou com força depois que o Jornal Bom Dia São Paulo da Rede Globo, em sua edição de 08/11/2023 abordou o caos da cidade de São Paulo com a falta de energia elétrica por vários dias, onde até os ônibus elétricos precisaram ser encostados pois não se tinha energia elétrica para carregá-los, informação esta confirmada pela SP Trans, empresa gestora do transporte urbano da cidade (https://diariodotransporte.com.br/2023/11/08/veiculos-eletricos-em-meio-a-crise-de-energia-empresa-de-sao-paulo-substitui-onibus-eletricos-com-baterias-por-modelos-a-diesel-confirma-sptrans/).
Debates de lado, salientamos aqui a importância da mídia para a busca da melhor alternativa para este e outros empasses: o trabalho e dedicação dos profissionais dos meios de comunicação e mídia especializada para a formação de opinião da população em geral, para busca de seus direitos e melhores alternativas para sua vida, exigindo do Estado a melhor solução para seus problemas e necessidades cotidianas, embasada em corpo técnico especializado e contratado para tal. Isto é o que esperamos de nossos representantes do Poder Público.
Convidamos dois profissionais da área para expor suas considerações sobre o assunto:
Adamo Bazani – Diário do Transporte
“A importância da mídia especializada, em especial sites e blogs que se dedicam ao tema mobilidade, é trazer elementos que tornam as discussões mais técnicas e transparentes. O trabalho da comunicação segmentada é abordar com a credibilidade da isenção de correntes políticas e econômicas, os diversos aspectos sobre determinados assuntos. Trabalhei 16 anos em redação geral, a maior parte deles na Rádio CBN de São Paulo. Digo por experiência própria, não dá para se aprofundar adequadamente em cada assunto. Numa redação geral, o jornalista cobre tudo em tempo recorde. A mídia especializada então acaba sendo, por sua isenção e aprofundamento, balizadora para a mídia geral. No jornalismo em São Paulo, há diversos profissionais que apesar de terem de cobrir vários assuntos, são extremamente interessados e entusiastas em se aprofundar nos diversos temas relacionados à mobilidade, apesar do ritmo frenético e da diversidade da cobertura das redações onde atuam. Existem exemplos concretos destes profissionais, como a Ana Paula Rodrigues, da Rádio Bandeirantes, e a Sabina Simonato, da TV Globo de São Paulo. Duas excelentes profissionais que não só buscam dar uma notícia, mas entende-la e melhor passa-la ao público”.
Thiago Silva – Plamurb
“Os trólebus possuem uma história de altos e baixos na cidade de São Paulo. Implantados em 1949, o sistema foi sendo ampliado aos poucos. Nos anos 60, em vista das dificuldades de importação de peças, a Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC), resolveu fabricar seus próprios trólebus em suas oficinas. O sistema ganhou uma grande sobrevida.
Nos anos 70, com a crise do petróleo, o sistema se ampliou, com uma nova configuração, operando em grandes corredores viários. Foram criadas diversas linhas troncais, muitas delas rodando até os dias atuais.
Nos anos 90, com a privatização da operação, o sistema trólebus foi dividido em três empresas, cada qual operando em uma das garagens que existiam na época. Particularmente acredito que esse foi o momento de auge do sistema. No ano 2000, o sistema paulistano operava com 26 linhas em todas as regiões da cidade e sua frota era composta por mais de 550 veículos.
Porém, entre os anos de 2002 e 2004, a gestão Marta Suplicy desativou mais da metade do sistema, sob alegações totalmente políticas e completamente obtusas. Na época, afirmavam que os ônibus híbridos seriam os sucessores dos trólebus. Cerca de 20 ônibus híbridos chegaram a rodar na cidade, alguns deles antigos trólebus adaptados. Porém essa tecnologia fracassou. Ao final, a cidade ficou sem os ônibus híbridos e sem os trólebus, que já haviam sido suprimidos.
No final dos anos 2000 foi implantado o programa Ecofrota, cujos veículos rodavam com algum tipo de tecnologia menos poluidora e estampavam isso na lateral dos coletivos. Entre essas tecnologias, estavam o trólebus, o biodiesel, o etanol e o diesel de cana. Com o passar dos anos, em decorrência dos altos custos, todas essas novas tecnologias acabaram, com exceção dos trólebus, que continuaram com a frota inalterada.
Agora, no ano de 2023, o prefeito Ricardo Nunes quer repetir os erros do passado e substituir os trólebus pelos novos ônibus a bateria. O problema é que esses novos veículos ainda não estão consolidados. Há muita desconfiança quanto a sua eficiência, a infraestrutura necessária, além do próprio custo.
Há também um outro ponto importante: qual a razão de quererem substituir os trólebus, sendo que há milhares de ônibus a diesel que devem ficar na frente em uma eventual substituição? Há espaço de sobra para todas as tecnologias. E o histórico mostra que os trólebus sempre se saíram melhor frente às outras tecnologias. Não podemos nos dar ao luxo de substituir uma tecnologia consolidada, por uma repleta de incertezas.
Vale lembrar que os trólebus podem e devem continuar operando nos corredores e linhas troncais, enquanto os ônibus a bateria em linhas alimentadoras. Os veículos a diesel podem ficar nas linhas locais. Não se pode depender de uma tecnologia apenas. A própria chegada do e-Trol, um trólebus supermoderno, permitirá que as falhas do sistema sejam superadas.
O prefeito Ricardo Nunes deve deixar de ser tão mente fechada e avaliar todas as necessidades de uma metrópole como São Paulo.”
Marco Brandemarte – Trólebus & Ônibus Elétricos Brasileiros
"Adamo Bazani ilustra a importância da mídia, seja ela especializada ou não em determinado assunto, e a importância de se corroborar um fato ou acontecimento. Antigamente chamávamos algo duvidoso de “boato”; hoje nos referimos às falsas verdades como “fake news”. Mas a essência do “informar” continua a mesma: que possamos antes de divulgar algum assunto checarmos não só a fonte como também a veracidade do ocorrido, para não denegrir nem a nossa imagem nem a do objeto assunto da notícia.
Thiago Silva nos traz um compilado extremamente rico da eletromobilidade urbana do Município de São Paulo, com ênfase para os trólebus paulistanos e seus momentos mais baixos que altos. Incrível como este sistema resiste e sobrevive, frente a constantes ameaças e críticas. Se o desempenho deste não é ótimo deve-se ao fato de não ser corretamente utilizado. Inúmeras vezes salientamos qual seria o correto modo de operação dos trólebus: em corredores ou vias segregadas, sem interferência dos demais modais de transporte. Com exceção do corredor ABD na Grande São Paulo todas as cidades brasileiras que tiveram trólebus o utilizaram de forma errada, em ruas estreitas e esburacadas, com os mais diversos entraves, anulando suas características operacionais ótimas. Isto sem falar na manutenção adequada da rede e demais componentes.
Sempre defendo que a cidade tem espaço para todos os modais existentes: metrô, carro, bicicleta, pedestre, ônibus, trólebus, ônibus a bateria etc. Basta encaixar os mesmos em seus devidos lugares, a fim de extrair deles seu maior rendimento possível".